Desaparecer de mim e as saudades de uma máquina de escrever
Há dias em que a vontade de desaparecer de mim é quase uma certeza quando na verdade tenho duvidado muito do que é o "mim". A exaustão física devora-me de tal modo que não consigo encontrar espaço para observar com cuidado o que está para além deste corpo e destas mãos que vos escreve. Sinto-me uma máquina que funciona em modo automático mas cada vez mais rápido e com mais botões para se mexer. Nunca pensei que fosse chegar neste exacto ponto: o ponto em que olho para mim mesma e não vejo nada além de um vazio que um dia queria ser muitas coisas e queria aproveitar o melhor destas coisas.
Três coisas muito boas aconteceram em 2020*: O nascimento da minha segunda filha, o (bem) terminar de um mestrado longo e a leitura de um livro incrível: O Equador, de Miguel Sousa Tavares. Foi tudo quase ao mesmo tempo e partilharam todos de um processo lento e moroso, quase doloroso.
Tudo isso fez-me pensar em como eu mudei. De uma menina que achava que tinha que fazer tudo em curtos espaços de tempo, que tinha que saber de tudo, falar de tudo (interessante) e estar sempre presente em tudo, passei a ser a mulher que preza mais pelo que faz do que pela quantidade. Que reconhece que muitas coisas levam o seu tempo, que nem todas terão uma resolução específica nem a desejada. Que apesar de esperar pelo processo vagaroso com alguma ansiedade percebe entretanto que só assim as coisas fazem sentido. Que a constante presença e resposta num mundo digital consome-me mais do que entretém... No entanto, essa mudança que ainda está em curso muitas vezes faz-me duvidar de mim mesma. Da pessoa que eu na realidade sou. Faz- me perguntar se desapareci de mim ou se de facto me reinventei apenas por mim. Custa-me aceitar a influência que as pessoas e que a vida à volta podem gerar em nós, como humanos. Mas é real. Custa-me aceitar a autenticidade de quem sou hoje, reconhecendo que parte dela advém das almas que me rodeiam.
Cada pessoa que se cruza, cada história que me é contada, cada beijo que se troca, cada filho que se gera, cada dia que se passa em pequena ou grande comunidade, muda-me. Mudou-me e tenho de me lembrar de fazer as pazes com isso porque afinal de contas, no final do dia o meu riso continua o mesmo, como disse ontem a minha mãe: um riso genuíno.
Não sei se é assim que eu quero que se lembrem de mim, mas é de certeza como eu quero lembrar-me de mim própria: não só de riso mas de emoções genuínas. Que apesar de todas as mudanças eu consiga ter a liberdade emocional que preciso para continuar a ser eu, a pessoa que de vez em quando escreve para uma plateia vazia, seja em modo automático ou não.
Não vale a pena dizer que tenho saudades
da minha máquina de escrever, pois não?
*Sim, eu sei que já é final de 2021.
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