O viver

O viver ensina. Todos os dias, pela manhã ou pelo final do dia. Mas a tarde ensina mais, onde não é tão claro o raiar do sol nem tão nítida a timidez do luar. Onde não nos podemos esconder por trás da virgindade de um e de outro. Onde os momentos acontecem, mais devagar, desnudos e despidos.
O viver é feito de pessoas, e elas, desdobram-se também nos minutos, nos segundos e nas horas fugidias que a tarde nos oferece.
A tarde não oferece só sorrisos, nem abraços bonitos. A tarde não só se deleita por uma árvore de tulipas delgadas e sadias. A tarde pode ser muitas outras coisas também.
O viver ensina... que nem sempre as nossas escolhas serão nossas, às vezes o nosso, será o que é do outro. E que tudo isso faz parte de uma viagem em que acima de tudo temos de aprender a aceitar, a calar e caminhar. O viver ensina que nem todas as perspectivas são brilhantes nem claras nem azúis como o mar da Ilha que só os meus pés provaram, porque para sempre há de lá ficar. Porque gosto de viver a vida assim, devagarinho.
O viver estuda, renova... e acima de tudo oferece. Oferece a chance de percebermos o outro e sermos leais com ele, mesmo que essa percepção tenha causado uma confusão dentro de nós. Oferece a chance de aprender a sermos compreensivos e a respeitar os momentos, as horas, os minutos, as poesias, os choros, daqueles que passeiam pelo nosso dentro. Da alma, do coração, do ser e do estar. Podem estar num só ou em todos. E quando estão em todos é sempre mais difícil porque eles, a alma, o coração, o ser e o estar, unem-se e formam-se com um elo de felicidade transparente que só os olhos da minha Maria consegue ver, pois só ela foi capaz de dizer que enquanto há vida, há esperança.
O viver, de pés descalços, a observar com detalhinho o que rodeia, mostra-nos afinal que a complexidade não está perdida apenas nas páginas dos livros onde me perco. E que quanto mais longe, mais perto queremos estar. Quanto mais aquém, menos além. Que as inseguranças, os medos, todos eles, fazem parte da dança das cadeiras, onde uns perdem e um ganha. Porque no final só uma cadeira nos resta. Que o importante é sentir o medo e seguir em frente e se o arrepio lá estiver, melhor ainda. Eu prefiro os meus arrepios escondidos na caminhada. Ainda acredito que não existem finais felizes e hoje mais do que nunca.
O viver é entender a solidão, a necessidade da partida, da despedida. É entender o não querer ficar. O viver é o ir, longe, distante e talvez não sair do lugar. O viver é o muitas vezes sentir e aprender a não dar asas à muitos sentimentos. Há sentires marotos, que aparecem só para dizer que existem. Mas a minha cabecinha de moça menina costuma dar asas à eles.
O viver é ser grande para reconhecer um lugar que não te pertence e é ser maior ainda para correr atrás do lugar que não cabe na tua realidade. O viver é ser gigante para saber quando, onde e o porquê de parar, de respirar, de questionar, de só olhar mesmo. Porque o olhar... quantas vezes terei de delinear na minha prosa sobre a sua imensidão? O olhar tem sabor de orquídea branca, tem cheiro de lágrima seca e atrasada e tem um andar que se arrasta, por baixo do peso que só o Universo reconhece.
O viver é aceitar que as imperfeições não limitam o ser humano, para ser, agir, arriscar... E muitas vezes as imperfeições são mais bonitas, mais poéticas. E se o mundo for mesmo dos poetas, então a imperfeição será perfeita.
O viver é deixar que o outro seja, que à vontade se manifeste, sem os porquês do que os rodeia.
O viver é muito mais... se calhar exagero.
O viver é descobrir que o amor se renova. Que os sorrisos se manifestam. Que os olhares podem ter outros sorrisos ou abraços.
Abraços...

O viver é uma entrega sem volta. Emancipada. Delicada. Uma entrega que se deixa transformada.

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