Foi de madrugada que escrevi

Desenhamos a nossa vida, com canetas e papéis bonitos, coloridos, simpáticos. Nunca deixamos margem para erros nem imprevistos, como se eles não existissem nos nossos dicionários. Quando o fazemos, achamos mesmo que a perfeição existe. E quando ela se desgasta e destapa a vida como ela realmente é, o mundo à volta entra em transe. Viver é uma experiência, que ainda não sei de que tipo. A minha tem sido uma surpresa. A minha tem sido uma caixa fechada, que à cada manhã é desdobrada. A minha tem sido como o cheiro de café que cruza o meu caminho, como se fosse um cheiro novo, transparente, porque na minha baixa, as minhas manhãs cheiravam a maresia, cheiravam a sapatos engraxados, cheiravam a notas recentemente dobradas, cheiravam a batas brancas engomadas, cheiravam a poucos sorrisos forçados. A minha tem sido o folhear de um livro, melindroso, ansioso, cheio de expectativa ofegante e com algum jeito de optimismo disfarçado.
E é engraçado, porque nesse livro as personagens ganham forma e perguntam-me onde está o menino Jesus. Eu também não sei, respondi eu com olhar humilde. Por dentro um sorriso. A resposta certa seria: o menino Jesus está no teu coração, mas a minha crença naquele momento não se atreveu em se exaltar. As personagens não duram o tempo todo. Elas vêm e vão. Deixam as suas marcas, as suas manias, os seus olhos que sorriem e os seus abraços que conversam. E quando elas dançam para mais longe, dou-me conta que chegou então a hora do adeus. Do até breve. Do querer gritar fica mas do perceber que o vai é o que resta.
Acima de tudo, a vida é aprender a limpar lágrimas e a saber conviver com um vazio que as lágrimas cavaram no nosso dentro. Porque todas as partidas deixam em mim buracos enormes e quase que o meu coração já não tem espaço. Apenas pequenos cantos, esquinas e ruas estreitas.
Mesmo assim a vida não deixa de ser bonita... e bondosa. Nós só temos de ser leais com ela, e realistas quando der. Uma pitada de sonhos às vezes não faz mal.

Porque os momentos valeram. É notável no meu sorriso do antigamente. É notável nas minhas lágrimas do recentemente. E se eles valeram... porquê deixar que o vazio se torne mais profundo?

É só mais uma ida, só mais uma... . A única coisa a durar para sempre na (minha) vida serão as palavras. Eternas, complacentes, fiéis...e intemporais.

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