Um dia também vou aprender um mais dois.


- Gaza -
Autor Desconhecido

As mãos e os pés gelados não me deixavam ser. E os meus caracóis castanhos tampouco deixavam meus olhos repousar. Uma leve falta de luz abraçou-me por completo. E o cheiro que já não era cheiro sussurrava nos meus ouvidos. Era silencioso. Ouvi dizer que o silêncio tinha nome. Eu sabia que tinha uma face, uma face de lírios brancos e um paladar rosa, de onde saíam palavras com asas meigas e brancas. Brancas como espuma do enrolar da praia morena. Brancas como o mundo que se deixava cobrir no auge dos meus cílios. Um dia, eu disse ao silêncio que também vou aprender um mais dois. Um dia quando as paredes se encontrarem e os muros se cumprimentarem. Um dia quando o tecto se fizer mais alto e a luz se deixar mais completa e menos tímida. Um dia quando o sol encontrar a minha janela e deixar comigo pelo menos um raio, não o raio mais bonito, apenas o raio mais sincero. Até esse dia chegar, vou carregar os meus papéis de várias cores, como o céu que aparecia em cada dia. Porque naqueles dias tínhamos muitos céus. Só o branco que me cobria é que era sempre branco. Branco como o negro. Negro como o branco. Nos meus papéis, a preto e branco, vou carimbar em cores e falares bonitos, todas as palavras que as palmas das minhas mãos soletraram. Na mão esquerda, vou deixar as letras das melodias poéticas delinearem os limites da página, até ela gritar cansada, só porque um dia ouvi que as melodias vêm do coração. E por ele não ser direito, deixou-se estar onde está. Na mão direita, vou transbordar as minhas tintas aguarela e pintar todos os outros céus, para todos os outros olhos que não conseguem ver. 
E com os papéis por baixo do meu ombro, vou me deixar ir, com asas meigas também e procurar pelo céu que me vai ensinar um mais dois. Porque um dia também vou aprender um mais dois, que nem a figura alta que se deixava ficar ali e por dentro derramava, toda ela aos poucos, uma por uma. Por fora, deixava também suas mãos desenharem até chegar o fim, onde todos os dias ela aprendia um mais dois e muito mais ainda, cada um da sua maneira, cada um do seu jeito. 
Um dia também vou conseguir desenhar as nuvens, como as suas mãos também desenharam e trazê-las para perto, sem que eles cubram os poucos raios de sol que os céus nos oferecem em poucos dias. Um dia também vou conseguir pintar estrelas, estrelas pequenas e estrelas grandes. Estrelas de gente e estrelas de só ser mesmo. E quando os nossos tectos disserem adeus, as estrelas vão acenar, com olhos bonitos, mais bonitos que o olhar mais bonito de Agosto. Um dia também vou trazer o mundo para perto de todos e todos os mundos que nele existirem. Lembro-me que ela já tentou trazer para nós. Mas nesse dia a parede estava cansada e se desmoronou. Por pouco levou a sua mão. A mão da direita onde os sonhos são desenhados. Os sonhos dos cílios cobertos, dos corações da vida, os sonhos do ser de todos e os sonhos dos abraços... são todos dela, da mão direita. 
E falando em abraços, um dia vou trazer também os abraços das estrelas, porque sem tecto e sem paredes, a lua se aconchega e o assobiar da vida, invisível, viaja e se deposita. 

 Os meus papéis castanhos não conhecem a curva do meu rosto nem os meus caracóis sequer um dia tocaram na esquina dos meus lábios escondidos. De tudo só as minhas mãos importam e com elas eu sei que um dia também vou aprender um mais dois. Porque o mundo é feito de um mais dois. Porque a vida começa com um mais dois. 

Um mais dois, um dia também vou aprender...

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