Cartas à uma jovem escritora

Cara Eyala,

Desde muito cedo gostaste de ler e de admirar as ilustrações de livros que chegavam aos teus olhos redondos que herdaste do teu pai. Gostavas muito de ler em público e lembro-me que as aulas de leitura eram para ti as melhores, onde não perdias a chance de colocar o teu braço bem alto para seres a primeira a ler para os teus colegas. Desde muito cedo sentias prazer nessa partilha mesmo sem saber realmente o porquê. Quando o fazias, tomavas outra vida, tinhas uma voz diferente e trazias para a sala recheada de alunos, a realidade da história que saía pelos teus lábios finos, cor viva de uma rosa. Quando à nona classe chegaste, o teu professor de Língua Portuguesa perguntou-te se algum dia já tiveras feito teatro na tua vida, pela maneira viva que lias perante a turma. Respondeste que não. Não conhecias muitos livros, gostavas mais de bandas desenhadas e da colecção do grupo das amigas. Tinhas certeza do que querias fazer para o teu futuro. Quando completaste 13 anos, decidiste começar a escrever um diário, onde guardaste as tuas memórias mais íntimas até os teus 17. Memórias de uma adolescência curiosa, viva, sensível e estável, com uma pitada de baixa auto-estima em relacão ao teu corpo, ao teu nariz e ao teu cabelo. Sempre gostaste de ser negra e acima de tudo sempre respeitaste a diferença apesar de nem sempre a entenderes.
Quando decidiste arrumar as tuas poucas coisas e colocar a mochila às costas, decidiste começar a escrever num blog, que seria o teu diário digital, apesar do papel sempre ter ocupado o primeiro lugar na tua vida. Talvez a primeira solidão levou-te à tal ou de alguma maneira o universo estava a levar-te para um lugar que ainda não sabias qual.
Hoje, depois de quase quatro anos, entendes o lugar que o universo preparou para ti.
Escrever no blog trouxe para ti paz, alegria, ao depositares nele alguns sentimentos enigmáticos que a tua boca não podia expressar. Escrever no blog muitas vezes foi a maneira de te lembrar que conseguiste chegar à casa, depois de um dia em que a ansiedade e a tristeza tomaram lugar. O blog ensinou-te o verdadeiro significado de paixão. Não uma paixão medíocre, não uma paixão procrastinada. Mas uma paixão quente, solitária mas ao mesmo tempo muito desejada. Uma paixão que me faz querer ficar e escrever, escrever mais, muito mais e melhor. Levou-te a conhecer outros mundos dentro desse mundo que todos conhecemos, a ouvir outras vozes e muitas vezes a olhar outros olhares. Levou-te a querer ficar dez horas, sentada, sem comer, porque tudo que precisavas para te saciar estava ao teu alcance. É uma paixão que te faz chorar, de coração apertado, talvez por ser tão bela e tão grandiosa. E faz-te rir, rir bem alto, por ser única. A literatura é única. As palavras, as frases, os diálogos, os pensamentos intrínsecos, os olhares descritos, as canções cantadas, as cidades desenhadas, as pessoas, apenas as pessoas, tudo isso e muito mais, que a literatura traz consigo, sequer consegue trazer palavras agora para a descrever. Acima do que foi descrito, escrever no blog, trouxe para ti amor. Um amor de todos os dias. Um amor de olhos bonitos, que sorriem, que te fez conhecer outros mundos e outros olhares bonitos também.

Se algum dia tiveres dúvidas na tua vida, sejam elas quais forem, lembra-te apenas que há algo que sempre será teu e sempre será de ti. As tuas palavras da mente, a tua literatura, a tua prosa poética, os teus textos empoeirados que ninguém um dia leu. Lembra-te dos mil mundos que conheceste e das lágrimas e sorrisos que carregaste com ele. Lembra-te das noites intermináveis em que, a única coisa que fazia sentido, era escrever.
E se, em algum momento, nada mais na tua vida fizer sentido, escreve. Continua a escrever. Porque é teu, Porque te pertence. Porque te trouxe amor. E com amor vêm sonhos e sonhos geram vidas.

Um beijo pequeno, para não ocupar espaço no teu rosto.
Com amor...