Esta carta é sobre amor.

Ela traduzia-se em corpo. E naquele corpo, um coração, que de tanta transparência eu podia ver quantos amores ela tinha e não tinha. Não estava uma mulher bonita aos olhos da sociedade, aliás, estava muito longe disso. A sua beleza era diferente mas apreciável ao meu olhar curioso e desbravador. Tinha a pele branca, muito branca, quase pálida. Tinha olhos fundos, longe da realidade de um ser comum e de todos os seres que a acompanhavam. Muitas vezes ela mesmo desaparecia de si e eu notava que nem ela mesmo percebia.
Laura, era o nome dela, que tão bem soava nos meus lábios, que sonhavam com a curva que os seus formavam por baixo daquele contorno rosa avermelhado, que ela usava. Laura já não sabia quem ela era. Reconheci-a perdida num mundo que eu fui em busca. Reencontrei-a parada, estatelada, petrificada e de face congelada, escondida por detrás de tecidos bem cuidados e cabelos ondulados curtos e vazios, quase inexistentes. A sua aura silenciosa chegou até mim como toque de penas de algodão, apesar do som melódico que o seu corpo enviava. Ordenei os meus olhos a não escapar àquela figura feminina tão misteriosa e fugaz ao mesmo tempo. Tão incomum. Tão fora do lugar. Naquele momento eu não me apaixonei por Laura. Ela causava muito mais do que isso. Paixão e encanto eram palavras insignificantes ao lado do meu respirar ofegante e do bater do pequeno ser inútil que dentro de mim habitava.  
Duas horas depois, anunciaram a estação terminal. À medida que o comboio se foi esvaziando, as minhas esperanças foram se tornando cada vez mais rasas e baixas. Serenamente, passei ao lado de Laura. Não sorri, não murmurei. Apenas olhei para os seus olhos. Olhei com olhar forte. Olhei para balbuciar alguma coisa sem dizer nada. Olhei para que ela soubesse o que eu estava a sentir. E acima de tudo, olhei para arrancar a profundidade do seu olhar e trazer à superfície o brilho que eu sei que nele residia. E estava certo. Laura olhou de volta. E com os olhos sorriu. E com aquele sorriso silencioso, tímido, mas avassalador e próprio de uma mulher forte, Laura afirmou-se como a mulher que sempre foi minha. Eu tomei o meu caminho com o olhar de Laura no meu bolso, nas minhas mãos, em mim, a cobrir-me. Em tudo que eu pudesse sentir. 
Laura retomou o seu caminho, em busca de algo, de uma vida talvez, sem saber que eu estava ali para ela. Sem imaginar que todas as manhãs eu acordava com ela nos meus pensamentos e não só. Fazia dela meu pequeno almoço e minha ceia. Sonhava com as suas curvas que (re)imaginava sinuosas entre todo aquele manto que a cobria. Pensava, imaginava, sentia-me proprietário dela, mesmo sabendo que (já) não o era. O desejo de me envolver na sua robustez tomava todo o espaço e tempo de mim. 

Queria muito escrever uma carta para Laura, uma carta que afirmasse:

Querida Laura, 

Peço-te que, com as minhas palavras, esqueças as lágrimas que possam estar aí presas nesses amendoins castanhos, arredondados que eu bem conheço. Peço-te que esqueças por mim também. Pois eu não consigo, admito. E desculpa estar a enviá-la assim inundada. Dentro de mim um mar. Misterioso, silencioso, incapaz de se afirmar totalmente. Mas não quero falar de mim. Quero saber como estás. Minha Laura. Lembras-te de como gostavas quando assim te chamava? Eu amava como me respondias com aquele sorriso de menina. A minha menina mulher. A tua personalidade deslumbrante e aprazível envolvia-se com a tua beleza estonteante e embriagante, e juntas, desdobravam-se serenamente naqueles cómodos de paredes lisas de cor amarela. Hoje, apenas a parede da varanda do quarto dos fundos continua com a mesma cor, pois sei que era o teu lugar favorito. Todas as vezes que lá vou, sinto a tua presença e relaxo na quietude que com a tua alma envolves o meu ser. 
Os pequenos cartões que deixaste por toda a casa, a relembrar todos os felizes momentos que juntos tivemos, estão intactos, no mesmo lugar onde os deixaste. Apenas tenho um que levo sempre comigo. O último cartão que deixaste por cima da nossa cama, onde escreveste: 
"Esse é por todos os abraços e todo o carinho trocado. Esse é por todo o amor que sentimos e por aquele que não chegamos a sentir mas que ainda chegará até nós. Esse é por toda a felicidade que deve ser brindada sempre e em qualquer circunstância. Esse é pela vida ter valido a pena ao teu lado." 
Não te quero esquecer. Não quero lembrar de ti como uma mulher que há muito se foi. Tu preparaste-me para isso. Aliás, as circunstâncias o fizeram. E ainda bem que assim foi. Não suportaria a dor de te perder de repente. Deixei-te ir. Não tinha outro remédio. Queria muito ir contigo, mas a vida não deixou. Pedi-te para ficar mas já não tinhas forças para tal. 
E naquele dia, que enviaste para mim o teu último sorriso, eu desfiz-me. O meu ser desabou, a minha alma petrificou. Congelei, desapareci. Laura, podia procurar por todos os adjectivos para te dizer o quão inútil eu me tornei sem ti mas prefiro fazê-lo para qualificar o homem que me tornei por ti e para ti. Consolo-me no facto de te ter conhecido, amado, bebido e devorado. Nada resta além de esvaziadas memórias. Memórias que emergem entre uma chávena de café, música a tocar no fundo e tu do outro lado parada. Memórias que celebram com os raios de um dia de sol e que se desvanecem pelo ralo de um dia de chuva que leva consigo as minhas lágrimas. Os teus retratos ainda se fazem presentes. Por vezes eles tomam forma no escuro dessa sala coberta pelas cortinas de organza. Os retratos da mulher da minha vida. 

 Que recebas como brisa leve todo o amor que envio nesta carta. Pois esta carta é sobre amor. Tal como tu disseste, todo o amor que sentimos um pelo outro. Todo o amor que não chegamos a sentir. Todo o amor que, mesmo separados por uma invisível barreira, ainda sentimos. E todo o amor que vamos sentir. Um amor pleno. Inconfundível, indiscutível, imensurável. Um pelo outro.  
Obrigado por tudo Laura. Prometo que esperarei por ti, apesar de teres suplicado que não.
Amo-te muito. Como nunca ninguém te vai amar. E como nunca alguma mulher será amada nesse mundo. 

Desolado, despeço-me.
Com carinho, 
Luís. 

P.S.: Sempre foste tu. Todas as manhãs, todas as noites. De domingo a domingo. Na Primavera, envolvidos na beleza das flores por ti plantadas. No Inverno, cobertos numa envolvente de amor. Mais amor. Sempre foste tu. 







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