"Nunca pensei..."


Naquele dia eu não sabia. Não sabia, que um dia iria apenas sentir o teu cheiro, a viajar por essas paredes brancas que juntos pintamos, cheios de esperança por um futuro por enfrentar. Naquele dia que te conheci, não sabia, que a tua ausência iria fazer muito mais sentido que a presença de todas as jóias, que me ofereceste todos os dias 14 que juntos comemoramos. Naquele mesmo dia 14, há 90 anos atrás, quando demos o nosso primeiro beijo, abençoados pela magia do Valentim, o mesmo que aos tropeços acompanhou-nos até hoje, eu não imaginei que estaria aqui sentada a contemplar as tuas fotos e a tentar perceber se rio ou se choro. Tivemos uma história recheada de encontros e desencontros num mesmo encontro. Eram muitas dúvidas mas uma certeza prevalecia. Hoje, apenas lembranças. Daqueles dias que passamos na cozinha, lembras-te? Era o nosso lugar favorito. Eu cozinhava mais mas tu cozinhavas melhor. Lembro-me de como o meu sorriso abria sem vergonha ao te ver chegar e beijar os meus lábios. Lembro-me de como carinhosamente pedias a minha mão e a seguravas com tanta certeza. Lembro-me das idas e vindas. E de como todos os dias eram novos. E tu simplesmente dizias: "Vamos viver cada dia um dia...". Lembro-me das birras, confusões e discussões que acabavam em lágrimas no meu rosto e em silêncio nos teus lábios. Não sabíamos gritar um com outro. Senti que houveram momentos em que quiseste desistir. Gostarias de algo muito mais simples. Mas eu não sabia ser simples. Lembro-me que eu gostava de algo mais complexo e mais explícito mas tu perdias-te no silêncio do teu ser e na calmaria do mundo. Sempre fomos muito diferentes. Eu era água. Tu, o fogo. E essa combinação muitas vezes dava lugar a frustração. Outras, éramos os seres mais completos quando juntos. "Tu és a mulher da minha vida". E eu tinha medo que o meu ser em ti não passasse disso. Não queria ser apenas a mulher da tua vida. Queria ser a companheira e amiga e por vezes sentia que não me deixavas. Mas da tua maneira, deixaste. E eu deixei tu deixares. Lembras-te do dia do nosso casamento? Estávamos rodeados de muito amor. Mas nenhum deles era tão grande como aquele que nós os dois sentíamos um pelo outro. Um amor que construímos ao longo de tantos anos, entre vindas e idas. Emocionei-me quando me vi vestida de noiva. Estava prestes a tornar-me a tua senhora. Depois de tantos anos a sonhar acordada, naquele estúdio frio e banhada por alguns raios de sol e a luz branca da lua... (finalmente) Era tua! Lembro-me de como dançamos a noite toda, eufóricos, felizes, formávamos uma grande dupla. Eu nunca pensei que hoje, depois de tanto construído, sinto tudo desmoronado. 
Lembro-me do nosso primeiro lar, aconchegado. E da vinda da nossa primeira filha. Lembro-me de como olhavas para nós como se o mundo todo estivesse resumido alí. E com os olhos a brilhar, tu dizias: "Vocês são o meu mundo". E eu sorria. E todas as vezes que os nossos filhos procuravam pelo teu colo, eu agradecia pelo excelente pai que tu eras. Sim, tivemos as nossas zangas, mas nunca desistimos de nós. Não faria sentido. O nosso amor tinha amadurecido. Já não era amor. Era algo grandioso. Graças a ti eu tinha a minha família. Uma família que acima de tudo valorizava o sorriso e o obrigada... 
E agora? Era suposto eu ir também mas, como sempre nessa história, um dia nos vamos encontrar...

 Nunca pensei que teríamos um "último beijo". O teu nome para sempre nos meus lábios tal como o nosso último beijo... 

Comentários

  1. ''mas nunca desistimos de nós. Não faria sentido. O nosso amor tinha amadurecido.''

    Em fração de segundos me senti no lugar dela, vivi a dor dela, por causa das tuas palavras, parabéns.

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