Conto- A Melodia dos teus passos - Final


Assim foram os nossos dias. A nossa rotina ficou marcada por troca de carinhos intermináveis a noite e manhãs tardias de sexo. Era tudo muito casual, despreocupado, sem formalidades. A minha vida sempre tivera sido marcada por certezas e rótulos. Mas com ele era diferente. Ele sentia prazer em aproveitar cada minuto da vida. Não posso negar que era um homem responsável, mas aquela alma que se transformava aos quatro ventos, impressionava-me. Como um objecto volátil, a sua personalidade tocava aos poucos na minha, com a sua palma e os seus dedos, e eu, por dentro, pedia que ela ficasse, se possível, que se mudasse de vez. Queria ele dentro de mim.
A delicadeza que ele transmitia com as suas palavras, arrepiavam o meu corpo. E eu sentia-me minúscula, indefesa e incapaz.
Queria fazer parte do ser dele também. Mas aí perguntei-me:

                      Quem era eu?


Estava vulnerável a ele. E ele sabia. Tentava sentir as partes do meu corpo mas, naquele momento, já não me pertenciam. Encontrava-me em transe. Gritei entre os muros do meu ego e lutei pelo desbravar dos meus sentimentos. Aqueles que ele encontrou e roubou de mim. Eu já não existia...
Olhando pela janela, consegui perceber o frio que acobertava a minha cidade e assim, de repente, li, em letras pequeninas: Estou apaixonado por ti, pois estou.
 E senti-me criança novamente. Aquela que ele roubou e transformou. Apartir daquele momento, eu era diferente. Emanava outro aroma e o meu brilho espalhava-se pela rua afora.
Eu era dele. Ele era meu. Sujeitos, predicados e complementos não se faziam presentes na história, onde tudo era um detalhe e o detalhe era tudo. Nada escapava a minha atenção, a não ser ele. Aos poucos, fui descobrindo quem eu era. E à cada dia, ele descortinava-se em mim também.
E apesar de que nada nessa vida é eterno, fazíamos questão de eternizar cada momento que juntos passávamos. Cada palavra, cada riso, cada olhar e cada toque.
Numa noite fria de Janeiro, ele veio ao meu encontro. Cumprimentamo-nos com um beijo nos lábios. Olhei para os seus olhos e sorri. Sorri como se quisesse dizer: Não te vás nunca! Mas tinha a impressão que a nossa ruptura estava perto. Bem mais do que ambos imaginávamos. Ao abrir a minha boca, delicadamente ele pousou os seus dedos nos meus lábios e, baixinho, no meu ouvido, ele disse:
-Shhhh! Hoje não te quero ouvir, apenas sentir.
E com aquelas palavras senti o meu corpo trémulo. Aos poucos foi beijando o meu pescoço. E ao tocar a minha pele, sentiu o quão arrepiada eu estava. Calafrios, era o que ele causava em mim. Nesse momento, ele apercebeu-se que eu já me tinha consignado toda. E mesmo sem dizer nada, ele sabia que naquele instante, toda a minúcia do meu corpo era dele.
Pegou em mim e levou-me até ao bar, onde pousou o meu corpo. No fundo, a melodia quente da Asa a tocar: "Awe nikololoka..." e naquele ritmo ele despiu-me. Não despiu só a minha roupa. Despiu a minha pele também. E cada vez que ele tocasse a minha pele, eu gemia. Queria gritar mas não podia. Então comecei a lagrimar. De prazer, de ânsia, de felicidade, de amor. Aos poucos fui sentindo ele dentro de mim e, há medida que ele entrasse, meu corpo respondia. Não sei o quê, mas assim o fazia. Talvez só ele percebeu. E assim, ficamos embriagados naquela atmosfera quente, abraçados, "amados", coadunados, num só corpo, ligados pelo íntimo. Ao mesmo tempo ele limpava as minhas lágrimas e cantava baixinho no meu ouvido. Não conhecia a letra e nem sabia o que significava, mas eu gostava e murmurava com ele. Mas eu não podia. A única maneira que podia me expressar era com o meu corpo. E mesmo com ele, já não sabia como. Admito, aquele homem esvaziou-me.
Eu desnuda. Ele, intacto. E pela escuridão do corredor do meu apartamento, ouvi a melodia dos seus passos a desvanecer. Vi-o desaparecer para sempre, apesar dele me ter despedido com um "até logo". Eu não fumava, mas naquela noite, precisava de um cigarro para aquecer os muros do meu ser que ali se desabou. Não era todos os dias que se perdia um amor. Um amor cuja falta se vai alastrar até ao fim da minha existência. Não tinha sido a primeira vez a amar e nem seria a última. Sabia que pela minha maneira fácil de se encantar, eu sentiria amor novamente. Mas como este, nem amanhã, nem na próxima vida se a minha alma persistir.

A ti, meu bem, nunca mais.      

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            FIM 

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