Inseparáveis.

Para acompanhar a leitura:
1 e 2

 
(via - Pinterest)

Éramos amigos. Muito amigos. Mas nem sempre tinha sido assim. Eu não dei conta quando cruzamos o caminho um do outro. Foi tudo por acaso, mas à medida que fomos conversando encontrei nele uma pessoa especial. Ele é do tipo que precisa ser descoberto, explorado, despido, que não deixa a alma exposta e o coração guarda a sete-chaves. Demorei para perceber isso mas enquanto percebia fui me divertindo com aquela amizade bonita e sincera. Foi o primeiro amigo que eu tive e com quem pude partilhar um quarto sem sequer pensar em nós os dois entrelaçados. As nossas tardes eram passadas ora no chão da minha cozinha ora no sofá da sala dele e daí, muita prosa. Viajávamos juntos, aprendíamos, explorávamos, ríamos...
O meu melhor amigo.
Sentia-me bem, diferente, quando, ao lado dele, divagava sobre os mais variados assuntos, muitos deles, sem importância. Estávamos mais crescidos e o nosso sentimento naquela amizade tinha amadurecido. Dei conta que por um segundo eu parei para observar o sorriso dele e acompanhá-lo melodicamente naquela gargalhada. Ao mesmo tempo procurava pelo olhar escondido por trás das lentes dos óculos que ele usava. E apartir daquele segundo, comecei a admirá-lo. Mas a maneira como ele agia, fazia-me crer que era simplesmente uma maneira simpática de amigo ser. 
Eu tinha dúvidas. Até que um dia, ao acompanhar-me para a porta, nós os dois sozinhos, banhados pela escuridão da rua, senti o meu corpo a tremer ligeiramente e uma pequena tensão no ar. O mundo a nossa volta, parou! E durante essa paragem, apenas olhamos um para o outro. Não nos tocamos, não nos beijamos, nem sorrimos sequer. Naquele momento eu tive a certeza que ele sentia também. Nenhuma palavra se atreveu em mergulhar naquele momento nem depois dele. Mantivemo-nos assim, intactos ao sentimento que um dia emanou das nossas almas e se fez sentir em nossos corpos. 
Durante uma das nossas longas conversas, disse-lhe que o meu sonho era de conhecer Paris. Ele, respondeu-me com um beijo sincero na face e disse-me: não te esqueças de mim porque eu vou contigo. Eu sorri, tímida. E ele sorriu também.
Éramos apenas amigos... 
Que a vida encarregou-se de separar, pouco a pouco, sem aviso prévio. 
E aquele sentimento de posse que um dia eu senti, foi-se desvanecendo com o sopro dos ventos. 
Amigos...
Limitados em encontros, desencontros, chamadas, mensagens... 
Os anos passaram. Mas sempre houve um pedaço dele em mim. Assim como eu também senti um pedaço de mim nele. 
Velhos amigos...
Que ficam na memória. No estar do passado. Na lembrança do presente e na esperança do futuro.
Quando de repente, eu vi um sorriso a transbordar a janela do meu quarto. Era um sorriso inconfundível. E sem receios, pulei da cama e corri em busca do seu abraço. Ele tinha um abraço diferente. Um abraço quente. Um abraço que valia tudo naquele momento. Senti naquele abraço uma vontade de ficar. Eu não disse nada. Ele pouco murmurou. Deixamo-nos ficar imersos naquele silêncio.  Um silêncio que gritava por perdão de tanta ausência. Como eu senti tanta falta dele. Ele tinha-se tornado mais homem e isso eu notava só pelo olhar dele. 
E naquele momento eu senti que a nossa história iria recomeçar. Uma amizade diferente, nova, baseada naquela que o tempo levou mas carregada de mais maturidade.
Eu descobria-me nele. Como antes, as nossas tardes foram substituídas por noites longas, deitados um ao lado do outro, a devorar páginas de livros diversos, a contar as aventuras que aprontamos durante esse tempo que nos separou e principalmente a tocarmo-nos levemente. Era um toque tímido como o roçar dos ombros ou o encontro repentino das nossas pernas. Mas acima de tudo, tocávamos a nossa alma. Era o toque mais quente, mais sensual, que arrombava o meu ser e fazia explodir um sorriso exagerado de mim. E naquele tempo eu sorria muito, sorria por tudo. Por ele, principalmente. 
Meu grande amigo... 
Que se tornou na minha grande companhia. De todos os dias... 
Partilhávamos tudo, desde as suas tentativas falhadas de conquistar uma mulher até a minha frustração de querer o homem ideal. Festejávamos juntos o sucesso de um e dividíamos as lágrimas de alguma barreira que se instalava. Enchia a sua cabeça com as histórias da minha alma leviana e com os meus sonhos inalcançáveis - assim ele dizia. Por vezes reclamava de tanto ouvir. Mas enquanto ouvia, fazia-o com paciência, a olhar para os meus olhos e por vezes a tocar os seus dedos nos meus. Sem propósito. 
Até que numa noite sem lua, ao entrar em sua casa, ele vendou-me os olhos com um lenço de seda. Era suposto irmos jantar juntos mas não repliquei. Deixei-me levar pois estava curiosa. Senti que ele me levava em direcção ao jardim, uma das partes da casa que eu mais gostava. Virou-me de costas, desfez o nó do lenço e entregou-me um postal que tinha impresso um desenho de Paris. Abri e li:
"Lembras-te quando te disse que iríamos para Paris juntos?"
Olhei para ele e sorri da mesma maneira tímida como naquele dia. 
"Não tenho como esquecer. Lembro-me sim."
Ele fez sinal para eu virar e à medida que fui me virando, o som de um acordeão tocou suavemente os meus ouvidos. 
Tinha uma torre Eiffel em madeira, de três metros, pintada com spray cinza metalizado, que ele mesmo construiu. Tinham luzes como se estivessem a pairar no céu. Num canto, uma mesa de toalha branca, vaso azul e uma única rosa vermelha a decorar a mesa. Tinham pratos tapados e um mordomo de bigode curvo. Num canto estava escrito: Bistrô L'amour. Naquele momento eu não sabia se ria ou se lagrimava. Não entendia o que se passava. Ele encostou-se em mim. Eu não me contive e abracei-o. Não tinha o que falar. As minhas cordas vocais estavam entrelaçadas. Estava um nó perplexo. 

E naquele abraço, no meu ouvido ele disse: 
Tu sabes que não sei o que é o amor mas...
sei o que é ser feliz e ser feliz é estar ao teu lado.
Vejo-te em tudo que faço, em tudo que sonho. 
Nunca te toquei mas te desejo como nenhuma outra mulher que já existiu na minha vida. 
Sinto a tua alma pelo teu toque. E eu sei, que a cada abraço meu que recebes, 
sentes vontade de entregar o teu mundo ao meu mundo. 
Porque os nossos mundos juntos são completos. 
Então entrega-te. Sê minha. Mais do que tens sido mas tal e qual como tens sido. 
Sem ti eu nada sou.  
Sem ti não há sol que brilhe nem chuva que molhe.
Sem ti não há melodia que anime nem tristeza que se instale. 
Existem diferentes tipos de amor 
E por ti, eu sinto todos. 
Longe de ti, nunca mais. 
Casa comigo! 

Com ele ajoelhado, a mulher que morava em mim, derreteu-se toda aos seus pés. Daí, ele moldou o meu ser nele. 
O meu melhor amigo. Que sempre e para sempre amei.




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