É tudo verdade.



É verdade que um dia nos vamos conhecer, a nós próprios mas não vamos conhecer tudo. E é verdade também que nos damos conta disso em dias bonitos.
É verdade que há dias bonitos. Hoje foi um deles.
O vazio decidiu ir-se embora mas disse que um dia voltaria e como sempre tem de voltar. Se não, como saber que posso estar preenchida por certos pequenos detalhes? Detalhes sem nome.
Hoje foi um dia bonito. Não recebi uma mensagem nem uma chamada logo pela manhã mas não fez mal. Acordei com ele no pensamento e foi suficiente. E hoje foi um dia bonito porque sorri pela manhã, porque não fiz muita mangonha para sair da cama e porque cantei. Não cantei alto porque não podia mas cantei para os meus ouvidos, para o meu corpo e para mim. Coloquei os meus pés no chão e antes de sair de casa olhei para o espelho e vi o reflexo do meu rosto. Eu sou uma mulher bonita. Sorri para mim mesma. Sorri novamente. Eu sou bonita.
Hoje foi um dia... um dia bonito.
Pesado porque carreguei pratos, panela, carnes e outros utensílios domésticos mas ao mesmo tempo muito leve porque na palma da minha mão tinha três gérberas cor de laranja, igual à manta pequena que me aquece na sala fria quando o sol se despede. E que gérberas tão bonitas, mais bonitas ainda no vaso pequeno de cor verde, como os olhos da Alma do Minho. Depois de as comprar, ouvi dizer que são perfeitas para comemorações, pois alegram os ambientes e trazem bom humor. Que seja. Vou comemorar o meu eu então e nada mais conveniente do que fazê-lo à altura. Coloquei o meu avental vermelho, oferecido pela minha mãe e deixei-me no prazer de cortar, lavar, cortar mais, temperar enquanto ouvia melodias bonitas do canto da sala. Gosto de cozinhar quando estou bem. E quando não, não o faço. Assim como escrever, apesar de o fazer sempre, escrevo mais quando estou bem. Àquilo que gosto, faço com sorriso no rosto e raramente com lágrimas nos olhos, talvez porque vivo a tristeza de forma tão sublime e a única coisa que me resta é a cama.
Hoje foi um dia bonito, não muito pelas pessoas que vi ou pelas pessoas com quem falei. Não muito por muito ou por pouco mas por tudo. Enquanto pensava, recebi a chamada. Queria muito partilhar com ele sobre o meu dia. Dizer-lhe que estava a cozinhar com todo o cuidado, a imaginar o seu rosto sentado no sofá, a espera, pouco ansioso, pelo jantar. Dizer-lhe que à caminho de casa comprei flores, a pensar como seria quando ele viesse pela primeira vez e sentisse o ambiente carregado de boas energias, muito pelo meu sorriso quando o tenho à minha frente. Queria dizer-lhe que estava bem. Mas não deu. Ele mostrou-me que estava bem. Senti-me melhor ainda e assim dei-me conta que talvez não saberia partilhar tal e qual tudo que queria. E tudo bem.
É verdade que vai chegar o dia que vamos sentir uma paz, apesar de todas as preocupações que se amontoam na nossa vida. É verdade que é possível ser bonita, muito bonita, sem uma camada castanha na pele ou duas lentes de contacto descartáveis para esconder ilusoriamente as minhas imperfeições. E tudo isso é possível sem me preocupar se o mundo me vai chamar de narcisista.

Que um dia, o amor chegará. Que um dia, Deus cumprirá. É tudo verdade.

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