Acho que te quero


Ouvi dizer que não sabias. Não por ti nem pelos teus lábios. Mas pelo teu olhar que atravessa toda a distância que revela-se, quase intacta. Uma distância por vezes tão distante, outras aconchegante.
Daquelas que se envolve em nós, separados, por uma linha tão ténue, que nem mesmo a minúcia do que juntos somos, consegue identificar.
Cobertos já por uma luz tímida, do sol de fim de tarde, sorrias. Não para mim, nem para os meus lábios. Sorrias para o meu olhar, que abertamente expressava-se para ti, ao som do clamor do teu observar. E que clamor, que nos atalhos do meu ser sentia algo vibrar. Tal como todas as vezes que o nosso 'pensar' coincidia, como se tuas palavras e as minhas palavras, num des(encontro), pretendiam-se, fugidias.
E à meio do caminho, decidimos então, quem descobre e quem guia.
E nesse explorar, frenético, convulso mas resignado, destapámo-nos e mostramo-nos, simultânea e lentamente, embebidos numa série de sons, que formavam um canto agradável, com o barulho da aproximação de ondas efervescentes de um mar agitado, concebendo em uníssono uma melodia quieta.
E naquela quietude, eu sorri. E com o meu sorriso, traduzi. Fielmente, traduzi-me em ti, numa língua cuidada, incumbida e dedicada. Levemente detalhada, para que, sem equívocos, descrevesse em cada curva e cada aresta, a veracidade dos meus pensamentos.
Dessa vez, foi o teu corpo que sorriu, permanecido, intacto. Onde, silenciosamente, delineava o seu desejo. Mas ouvi dizer que não sabias. Não sabias para quê e porquê.
Acho que te quero
 Ficamos carimbados naquela incerteza tão palpável. E ao mesmo tempo tão deliberante. Naquele segundo perfuravas-me com o teu olhar desbravador. E sem permissão alguma, moldei-me, tua, à volta do teu contemplar sereno. E na melodia quieta, juntou-se a balbúrdia de um desejo incógnito.
Talvez de te conhecer e, sem querer, reconhecer-me em ti. Um desejo de chegar perto e acomodar-te no meu leito, para que decifres, com o cuidado que te é nato, o muito que o meu peito não transforma em pranto. Para que descubras, talvez, dessa vez de olhos fechados, a paixão e compaixão, traduzidas por ti em mim, com algum estilo e humor, sem temor, sem pudor.
Tal paixão, que denunciar-se-á, nas Mil e Quinhentas experiências partilhadas, dificilmente reveladas nas quase Quinhentas linhas aqui rabiscadas.

As diminutas palavras, fugidias e enclausuradas, eram ao mesmo tempo emancipadas, pelo teu discurso, naquele fim de tarde, de luz tímida. O teu discurso que tocava o supérfluo do meu ser e arrebitava alguma protuberância que se escondia por detrás de uma relutância.
Acho que te quero
Juntos, cobrimo-nos com a imensidão do mar que se rodeava, onde gradualmente, a pequenez daquilo que não sabias para quê nem porquê, declarou-se, não num todo mas propositadamente num quase. Porque o quase é tudo e o tudo é nada. Contigo, deixo a última palavra aqui esquecida. Quem sabe, de ti ou dos teus sonhos...
Acho que te quero,  não sei bem para quê e porquê, mas diz-se que algo de valor vale a pena ser roubado...
Enquanto escrevia, ouvia


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